quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Por que socorrer somente a indústria automobilística?

Matéria publicada originalmente em http://www.cofecon.org.br/

O anúncio da elevação de 30 pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados sobre veículos importados, adotada como uma medida de proteção à indústria instalada no País, ainda que no primeiro momento possa ser percebida como uma reação ao processo de desindustrialização e de dessubstituição de importações, suscita uma série de dúvidas e possíveis contestações.

Ressalte-se, primeiramente, que, dada a enorme concentração de renda neste País, dificilmente os importados mais caros sofrerão significativo abalo em suas respectivas demandas. Neste sentido, a medida parece estar dirigida mais dirigida principalmente para os carros chineses, bem como para os de menor conteúdo tecnológico, valendo lembrar que um automóvel estrangeiro já custa, no Brasil, muito mais do que nos mercados dos EE. UU. e da Europa, e o custo de transporte tem muito pouco a ver com isto.

Trata-se, na realidade, de mais um benefício concedido às montadoras, em alguns casos instaladas há mais de 50 anos no País, e já vimos em nossa História o resultado do atraso tecnológico da produção interna – em todos os setores – quando o mercado é protegido contra a concorrência externa.

Paralelamente, entretanto, não se pode ignorar o fato de que vários outros setores enfrentam dificuldades idênticas ou até maiores diante da concorrência estrangeira. Por que, então, se continua a praticar uma política discriminatória, que a cada momento favorece um determinado segmento, em resposta a cada pressão, ou por conveniência ou oportunismo? Por que não estabelecer critérios gerais, objetivos e transparentes?

A propósito, há oucos dias foi noticiado que em dezoito de vinte setores da indústria de transformação as importações cresceram mais que a produção interna, nos sete primeiros meses do ano; em seis deles, o volume importado cresceu, enquanto a produção interna caiu.

Ora, é notório que as dificuldades são de ordem mais geral, e tudo indica que se está tentando encontrar uma solução fácil diante da incapacidade ou da falta de determinação para enfrentarem-se questões muito mais amplas e duradouras, como, por exemplo, as relativas à valorização do câmbio, aos juros estratosféricos e à estrutura tributária ineficiente e injusta. Se, deste modo, a ideia for a de oferecer uma compensação ao câmbio, a medida pode ser extemporânea ou desnecessária, diante da grave crise mundial, que vem provocando um ajustamento progressivo da taxa cambial nas últimas semanas. Em tais circunstâncias, a providência adotada, com vigência até dezembro do ano que vem, teria vindo tarde, constituindo-se em verdadeiro privilégio injustificável.

Em contrapartida, pouco se tem cobrado da indústria automobilística instalada no Brasil, num esforço compatível com seus ganhos, em termos de melhoria da eficiência, aumento da segurança, desenvolvimento da tecnologia. De tal modo que argumentar que essa indústria teria o compromisso de utilizar míseros 0,5% de sua receita bruta com essa última finalidade soa como pífio. Além do mais, que outras contrapartidas a indústria automobilística estaria disposta a oferecer? A própria experiência do passado demonstra que, nos inúmeros casos de renúncias fiscais, com redução do IPI, os consumidores não se beneficiaram de reduções de preços, nem os empregados com aumentos de salários. Pelo contrário, nas circunstâncias atuais, o espaço a ser criado em termos de diferencial de preços é de tal magnitude que o cenário mais provável – até mesmo por eliminação de parte da concorrência – é o de novos aumentos de preços, com expansão da produção e elevação das margens de lucros. A grande diferença em relação às várias situações do passado é que, em vez de o governo abrir mão de receita, irá arrecadar ainda mais, seja pelo aumento das vendas internas, seja pelo tributação adicional das importações.

A indústria automobilística não pode pretender continuar produzindo e vendendo no pico, nem o governo insistir em estimular a utilização de transporte individual de passageiros, com o consequente caos urbano e respectivas intercorrências. Custos de toda a ordem não estão sendo contabilizados, como, por exemplo, os ambientais, os provenientes dos congestionamentos e conseqüentes tempos improdutivos, os que justificam obras viárias faraônicas, e todos os relacionados à saúde pública, ao stress e à violência no trânsito das grandes e médias cidades.
Seja por meio de Medidas Provisórias, seja por meio de decretos – como no caso presente -, a sociedade exige uma discussão democrática e uma reflexão aprofundada sobre o caráter de medidas que, como a elevação de trinta pontos percentuais do IPI sobre a importação de veículos, afetam a economia do País com reflexos amplificados e duradouros sobre o dia-a-dia de cada cidadão brasileiro.

Comissão de Análise da Política Econômica
Conselho Federal de Economia

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